No dia 20 de março foi inaugurado memorial em homenagem aos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar, na cidade de Ibiúna, São Paulo. O painel, projetado pela artista plástica Cristina Pozzobon, foi produzido em aço Córten e, nele, estão as fotos dos 23 mortos pela repressão. Do outro lado do memorial está a lista com o nome dos 719 presos e torturados durante o regime. O painel é permanente e está localizado na Praça da Matriz da cidade de Ibiúna.
Confira abaixo o texto da placa que homenageia as vítimas de Ibiúna:
12 de outubro de 1968 – um sítio em Ibiúna (SP) é cercado por três destacamentos da força pública estadual para prender mais de 700 líderes estudantis de todo o país por realizarem o 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A entidade havia sido posta na ilegalidade desde os primeiros dias do regime militar, instaurado em 1964. No dia 1º de abril, sua sede nacional, na praia do Flamengo, foi invadida, saqueada e incendiada. O Brasil mergulhou num período de sombras. Estudantes, intelectuais, artistas, operários e quem se manifestasse por um Brasil livre e democrático era duramente reprimido.
A prisão dos estudantes de Ibiúna foi mais um passo da escalada repressiva que culminou com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Extintas as liberdades democráticas, proibidas as reuniões e manifestações de rua, fechado ou amordaçado o Congresso Nacional. Uma parcela dos que lutavam contra a ditadura decidiu engajar-se na resistência clandestina, inclusive empunhando armas. Entre eles, centenas dos jovens que foram presos em Ibiúna e trazidos para este antigo prédio do DOPS. Indiciados em inquéritos, processados pela Lei de Segurança Nacional, excluídos de suas faculdades, muitos seriam novamente presos, sendo submetidos a violentas torturas. Pelo menos 23 passaram a compor a lista dos mortos e desaparecidos durante a ditadura.
Luís Travassos era o presidente da UNE no Congresso de Ibiúna. Militante da Ação Popular, foi libertado no ano seguinte e viveu muitos anos no exílio, retornando após a Anistia de 1979. Morreu em um acidente de carro durante o carnaval de 1982, no Rio de Janeiro, bem próximo ao local da sede incendiada que a UNE começa a reerguer hoje.
Cândido Pinto de Melo é outro dirigente estudantil preso em Ibiúna que seria alvo de brutal atentado. Presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, foi metralhado em Recife, em abril de 1969, por um grupo paramilitar ligado ao aparelho de repressão do regime militar, que lhe deixou paraplégico. Continuou na militância política até sua morte, em agosto de 2002, tendo integrado a equipe responsável pela publicação do livro “Brasil: Nunca Mais”.
Honestino Guimarães, principal líder estudantil de Brasília, só não foi a Ibiúna porque já se encontrava preso na capital da República. Depois de libertado, assumiu a presidência da UNE em 1969. Militante da APML, foi preso pelo DOI-CODI em 1973, aos 26 anos de idade, e nunca mais foi visto.
Antonio Guilherme Ribeiro Ribas, Antônio de Pádua Costa, Bergson Gurjão Farias, Helenira Resende de Souza Nazareth, Jaime Petit da Silva e José Maurílio Patrício tiveram uma trajetória comum. Depois de libertados, como militantes do PCdoB, engajaram-se na Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará, entre 1972 e 1974. Seus corpos ainda não foram devolvidos aos familiares.
Antonio dos Três Reis de Oliveira, Aylton Adalberto Mortati, Ivan Mota Dias, José Roberto Arantes de Almeida, José Wilson Lessa Sabag, Lauriberto José Reyes, Márcio Beck Machado, Maria Augusta Thomaz, Ranúsia Alves Rodrigues e Ruy Carlos Vieira Berbet, engajaram-se em ações de guerrilha urbana como militantes de organizações como ALN, VPR, PCBR e Molipo, sendo mortos entre 1970 e 1973, quase todos sob torturas.
Eduardo Collier Filho, Gildo Macedo Lacerda, José Carlos Novaes da Mata Machado e Umberto de Albuquerque Câmara Neto, companheiros de Honestino na APML, também foram mortos sob torturas em 1973. Só a família de Mata Machado conseguiu resgatar seus restos mortais.
João Roberto Borges de Souza, membro da AP e, depois, do PCB, foi morto sob torturas na Paraíba, em outubro de 1969; o cearense Frei Tito Alencar Lima, religioso dominicano, cometeu suicídio em 1974, na França, após anos de sofrimentos mentais resultantes das torturas sofridas aqui neste mesmo prédio, após ser preso pela equipe do delegado Sérgio Fleury. O jornalista paulista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, militante do POC, foi morto sob torturas no DOI-CODI de São Paulo, em 1971. Sua família sustenta atualmente uma ação cível que busca responsabilizar o chefe daquele órgão de repressão responsável por sua morte.
Ibiúna, 20 de março de