Documento pede providências para reduzir mortes de sem-teto

Alexsandro Rocha da Silva era o mais antigo integrante do jornal Boca de Rua e por acaso – mas, talvez nem tanto – levava o nome do jornal no próprio codinome: Bocão. Falecido em 21 de maio de 2011, ele motivou os colegas a escreverem um documento cobrando providências dos governantes no sentido de impedir novas mortes por falta de atendimento adequado e respeito ao direitos dos cidadãos que moram na rua. O documento é assinado pela Alice e o Gapa/RS, parceiro do projeto.

A petição – que também sugere a realização de um seminário sobre o tema – foi entregue à ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e ao Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, promotor Francesco Conti, durante o 1º Seminário “Abordando a Abordagem Policial”, organizado pela Brigada Militar e Ministério Público Estadual, em Porto Alegre.

Abaixo, o texto completo:

Prezado Sr.
Francisco Conti

Diante da morte por tuberculose de mais um morador de rua no último dia 21 de maio de 2011;
Das dificuldades e precariedades de atendimento de saúde, com falhas nos encaminhamentos do Programa de Saúde da Família (PSF);
Da falta de vagas em abrigos e albergues;
Da fragilidade do Programa de Redução de Danos e de ações continuadas que atuem na perspectiva de redução de danos junto a esta população;
Da quase inexistente oferta de trabalhos e oportunidades para esta população;
Dos preconceitos, abusos e violações cometidos nas abordagens policiais;
Do agravamento da situação, a partir da greve dos municipários, que restringiu ainda mais os serviços de atendimento, o que inclui o fornecimento de remédios básicos para a manutenção da saúde física e psicológica da população em situação de vulnerabilidade social

As entidades abaixo-assinadas e seus usuários solicitam a imediata intervenção do Ministério Público para que o Governo coloque em prática uma política pública integral, intersetorial, pautada na garantia dos direitos desta população, realmente participativa e abrangente, que acolha as demandas e os direitos de todos os cidadãos – incluindo as pessoas em situação de rua.

Porto Alegre só tem hoje dois abrigos e um albergue municipal para atender a uma demanda estimada de mais de duas mil pessoas. Trata-se de uma estimativa, já que a capital do Estado do Rio Grande do Sul não foi inserida no último censo de moradores de rua. Como se pode planejar uma política de atendimento integral a esta população se não há um censo atualizado sobre o número de moradores?

Os abrigos têm dado prioridade para acolher as pessoas que estiverem em tratamento de saúde, já que há limite de vagas, o que leva os interessados a disputarem quem é mais necessitado. Ora, não se trata de colocar um necessitado contra o outro. Trata-se de exigir que todos tenham o direito de acesso aos equipamentos públicos e um atendimento integral e digno.

Moradores de rua se queixam de que, dentro dos abrigos, os técnicos de enfermagem não colaboram para que eles possam obedecer os horários de ingestão de remédios. Se já é difícil para uma pessoa com casa, comida, trabalho e estrutura familiar mais sólida manter um tratamento, seria óbvio a necessidade de uma atenção redobrada nestes espaços de acolhimento para quem não tem a mesma sorte. Seria de se esperar que os técnicos pudessem ajudar no sentido de lembrar os horários, auxiliando aqueles que têm mais dificuldade de manter o tratamento. Até porque, se estas pessoas não tomarem os remédios, serão suspensas do abrigo, conforme as regras internas.

Outra queixa frequente é quanto ao tempo de permanência nos abrigos. Um morador de rua recentemente admitido, que está tentando um tratamento para dependência química e conseguiu um emprego na construção civil, ganhou uma vaga, mas tem um limite de apenas dois meses para alugar uma outra peça e reestruturar sua vida.

A greve dos municipários, que iniciou em 23 de maio de 2011, colocou ainda mais em evidência o total descaso com esta população: mais de um morador de rua que tinha seus remédios (para tuberculose, depressão, entre outros) guardados na Casa de Convivência ficou sem os medicamentos, já que os funcionários do equipamento estavam em greve e a Casa permaneceu fechada. Como deter o avanço das complicações da doença se o tratamento que deveria ser prioritário para essa população foi interrompido?

Por tudo isso, esperamos que o Ministério Público e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul estabeleça um espaço contínuo de diálogo com esta população para que possamos coletivamente construir políticas públicas intersetoriais, integrais, que garantam a não violação dos direitos desta população e atendam suas demandas.

Neste sentido, solicitamos:

  • A realização de um seminário com os diversos atores governamentais e não-governamentais que atendem esta população para que possamos aprofundar esta reflexão e encaminhar demandas através de um plano estratégico para o enfrentamento desta situação;

  • Estabelecer medidas urgentes para atender as demandas mais imediatas enquanto se efetiva a implementação deste plano, revendo os fluxos e as regras atuais dos serviços e buscando uma construção participativa.

Assinam:
Gapa/RS
Alice/Boca de Rua

 

3 comentários em “Documento pede providências para reduzir mortes de sem-teto”

  1. Karson Santiago

    Pois é, disponibilizam por exemplo aqui em Porto Alegre um atendimento através do telefone para informar onde há moradores de rua em situação de risco, porém a meu ver de maneira incompleta/incorreta, já que somente atendem os chamados a partir das 20:00 hrs, sendo que o recolhimento efetivo ocorre somente a partir das 22:00 hrs!!

    Se é realmente para ajudar pq então não fazem algo melhor, e principalmente, mais humanitário??

    Digo isso pois certamente não há como se ficar indiferente vendo durante todo um dia, onde a temperatura estava abaixo dos 10 graus, alguém com uma roupa leve e de pés descalços, tento apenas um fino cobertor para se proteger do frio até que a bendita ajuda se prontifique a fazer algo!!

    PS. O fato descrito acima aconteceu, assim, já que não houve ajuda imediata, tentamos naquele momento abreviar o sofrimento daquela pessoa, porém certamente por causa das nossas limitações não foi algo taõ eficaz quando seria o seu recolhimento a um albergue.

  2. Karson Santiago

    A propósito…

    Proporcionalmente temos aqui em Porto Alegre um número significativamente menor de vagas em albergues, quando comparado com a cidade de São Paulo.

    Em São Paulo existem aproximadamente 14.000 moradores de rua e aproximadamente 10.000 vagas no inverno.

    Já aqui, para um contingente de aproximadamente 1.400 moradores de rua, possuímos apenas 621 vagas.

    Se não bastasse isso, temos aqui no Sul um inverno mais rigoroso do que no Sudeste, o que pela lógica deveria fazer os nossos gestores terem uma preocupação maior em relação a esse assunto do que aqueles de outras regiões, o que pelos números percebe-se que não acontece.

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